quarta-feira, maio 14, 2008

1328 - fome que grassa, fome de graça

Agora você vê, um pai que nem eu, criei meus irmãos, depois que estava criado, eu casei, a mulhé adquiriu quinze filhos. Nóis vive hoje, nóis está com quarenta e cinco anos de casado, tudo criado esses filhos, o caçulo, o filho único, está com 16 anos, está lá criado. Também comi o pão que o diabo amassô. Trabalhei dia e noite, dia e noite, domingo o dia todo... Para mim nunca teve dia Santo, nunca teve folga. Vim folgá depois que aposentei que eu falei agora num ‘guento mais, num ‘guento mais... tô obrigado a pará. Era assim: no mês de maio, começava a pôr arroz, a roçá, roçá a roça, adubá... Naquele tempo num tinha negocio de tirá carvão não, era roçá, derrubá o mato, picá e por fogo. Virava um roçadão aí. Aí quando dava o primeiro de outubro, planta primeiro algodão, passava a mamona, as carreira de mamona... porque naquele tempo que nóis mexia, vendia a mamona, que dizia eles que a mamona era pra fazê azeite pra lubrificá os tanques de guerra. Mamona dá muito oleo.Mais eu já sofri muito, num estudei, num sei lê, num sei escrevê, num sei nada. O negocio é trabalhá. Trabalhá. Mais eu já enfrentei dureza, assim no machado, rachá a madeira... Todo tempo todo. Pensá assim: a pessoa trabalhá tanto, ele num tem nem apetite nem de comê mais, ele num tem força, num tem vontade de comê, acabô demais, esgotô a força, esgotô os nervo, o destino dele arrasô que ele ficasse sem ‘guentá, tremendo assim... Muchas vezes eu ficava assim, tremendo... Tomava uma água de açúcar pra mim guentá trabalhá. Pra num vê meus filhos sofrê fome. Já fiz. Isso já aconteceu muitas vezes. Trabalhá um dia todinho apegando com Deus, ir lá na água, bebia um copo de água e trabalhava limpando roça, pra num vê os filhos sofrê. Isso eu já fiz mutchas e mutchas vezes. O dia amanheceu, o sol estava lá às sete horas, ‘nton tem que trabalhá.

Trabalhar.
A solução para a fome.
Na república portuguesa, claro.
Há terras, enxadas e sementes.
Mãos à obra?
Não à opus, nem à opus dei...
Não dei, nem dou peixe, procuro dar canas, ensinar a pescar.
O padre (lembro-o como padre em Santa Margarida) Zé da Graça sabe mais a dormir que muitos acordados... alertou para a fome?
Temos de saber lê-lo, perceber o que ele nos quer dizer, atrás daquele sorriso irónico há muita sabedoria.
Aquilo que ele queria dizer (e aqui concordo com um dos meus mais activos comentadores) era:
- Nelson, pá... mais dinheiro para quê? Preocupa-te com as pessoas, com as condições de habitabilidade dos fregueses, deixa-te de tretas, de açudes, de barragens e de queixinhas...
Há pessoas com vidas sofridas...

6 Comments:

Blogger r said...

Posso citar Agostinho, pela manhã?
Apetece-me....

«(...) Acreditamos, pois, que o homem nasce bom, o que significa para mim que nasce irmão do mundo, não seu dono e destruidor, penso que a educação, em todos os seus níveis, formas e processos não tem sido mais que o sistema pelo qual esta fraternidade se transforma em domínio. Não tendo, por outra parte, certeza alguma de que tenha havido a evolução de que toda a gente fala como de uma absoluta verdade científica, não porei que foi ao passar de um estádio animal a uma forma reconhecidamente humana que o homem iniciou a sua guerra para sumeter à sua vontade as forças físicas e assegurar assim a sua sobrevivência; direi apenas que o homem, tal como o conhecemos, se fez rei do mundo e irá até onde quiser pela força da sua inteligência, a persistência no querer e a piedade nenhuma pelo que possa vir a opor-se; todos os fracos, do grupo ou não, serão esmagados, e, sabedores disto, todos nós, pelos tempos fora, temos querido que a escola, escola chinesa ou escola alemã, escola chamada progressiva ou escola retrógrada, seja fundamentalmente uma fábrica de fortes. Fortes para a invenção na indústria e a concorrência no comércio; fortes para as filosofias que nos descansam sobre os mistérios do Universo e permitem agir com a consciência em tranquilidade, pelo menos tranquilidade relativa, pelo menos tranquilidade de uso social; fortes para as defesas enérgicas e sem muitas perguntas perturbantes quando alguém nos ameaça na nossa segurança; fortes para abrirmos caminho, fortes, e aí vem a palavra final, para vencermos na vida.


(...)


No futuro que chega e se adiantará a medida em que o quisemos nós todos e o incorporarmos desde já à nossa existência, dentro de todas as limitações e sofrendo de todos os embates das ordens que estão condenadas a desaparecer, mas que, agonizando, ferem, a educação não poderá ser mais do que o fornecer a cada um tudo o que solicite para que a sua pessoa se possa desenvolver e afirmar; repetindo a afirmação de que se nasce bom e capaz de tudo o que signifique amor pela vida - até que dois versos se tornem realidade e se transforme o amador na coisa amada e todos achem que é sempre curta a vida para o longo amor que, livre, em nós, já livres, arderá -, a educação não terá nenhuma outra tarefa senão a de deixar que a bondade inicial esplenda e seja (...)»

Agostinho da Silva
Textos Pedagógicos II

«Tomava uma água de açúcar pra mim guentá trabalhá.»

Vinte por cento (li algures...) dos portugueses são pobres. Enquanto escrevo palermices e queimo os neurónios a transformar o espólio museológico em recurso pedagógico, como se alguém estivesse interessado nisso, há meninos com fome; outros, têm bicicletas de 500, 700 e 1000€. Lembro-me do meu filho de sete anos:


-A culpa não é minha, mamã. Eles são pobres porquê?


Pois não!... A culpa é da ilusão na crença do progresso onde crescem os conflitos e as tensões sociais. O progresso prometido não se fez chegar, pelo contrário, aumentaram as desigualdades para grande número de homens e mulheres. A exclusão social, a pobreza e a qualidade de vida estão presentes de forma massificada em todo o mundo.

Ensiná-los a pescar é possibilitar/facultar/potenciar a Educação............

Som:

Viemos com o peso do passado e da semente


Esperar tantos anos torna tudo mais urgente


e a sede de uma espera só se estanca na torrente


e a sede de uma espera só se estanca na torrente


Vivemos tantos anos a falar pela calada


Só se pode querer tudo quando não se teve nada


Só quer a vida cheia quem teve a vida parada


Só quer a vida cheia quem teve a vida parada


Só há liberdade a sério quando houver


A paz, o pão


habitação saúde, educação


Só há liberdade a sério quando houver


Liberdade de mudar e decidir


quando pertencer ao povo o que o povo produzir


quando pertencer ao povo o que o povo produzir


Sérgio Godinho


Ensiná-los a pescar...obviamente que me remete àquilo que penso...a EDUCAÇÂO.
Pensar a educação é simultaneamente pensar o Homem. Tenhamos ou não consciência, toda e qualquer prática educativa remete para uma concepção de Homem. A educação só se coloca em relação ao Homem. Os animais domesticam-se, instruem-se, os homens e as mulheres são seres educáveis.
A educação é um fenómeno complexo, porque é criada pelo Homem, mas este, cria-se na e pela educação. É desta natureza inacabada do Homem que resulta a necessidade de educação. Assim sendo, a educação só pode conceber-se como projecto antropológico, que enferma necessariamente um êthos.
Com o uso do vocábulo grego êthos quero relevar a dimensão ética da educação. Crê-se que a palavra ética deriva de dois vocábulos gregos - êthos - que significa na sua origem, “lugar onde o animal habita”, “a toca do animal”, “a casa do homem” e - éthos - que designa “o modo habitual de um ser se manifestar”. Destes dois sentidos etimológicos parece caber à ética a tentativa de procurar o verdadeiro lugar do Humano, num esforço de saber qual é o verdadeiro “modo humano de ser”. A educação envolve, deste modo, responsabilidades e consequências, consciência e valores.


Pode-se instruir um ser de forma amoral, mas já não se pode educar sem valores. O processo educativo/formativo é sempre com e para os valores. E o valor, por excelência, deveria ser o da própria condição humana.

Tansformar a «toca» em «casa»...

Pronto, mais logo, talvez venha citar a transmutação de valores e a vontade de poder e reafirmar a morte de Deus com a lanterna na mão, de Nietzsche, logo vejo.
.........«palavras entre a luz e a escuridão» quiçá.

quinta-feira, maio 15, 2008 9:36:00 da manhã  
Blogger João Baptista Pico said...

E se exigissemos apenas aos homens vergonha na cara?!
E perante um estou de acordo ou não concordo, exigíssemos antes:
-Resolva lá esse problema e deixe-se de teorias!
Deixe os seus gostos lá para sua casa e deixe os outros viverem e respirarem um pouco, do muito que exibe e destróie...
Gerir um concelho é pô-lo a produzir em todas as dimensões para o bem comum...
Não tem sido esse o exemplo...

quinta-feira, maio 15, 2008 11:39:00 da manhã  
Blogger Unknown said...

A fome é o tempero do alimento...

quinta-feira, maio 15, 2008 5:39:00 da tarde  
Blogger r said...

Esta afirmação:

«Deixe os seus gostos lá para sua casa (...)»

será relativa a alguma das minhas palavras anteriores?
Pergunto, porque estou com alguma dificuldade interpretativa... queiram desculpar a possível leitura egocêntica.

quinta-feira, maio 15, 2008 6:54:00 da tarde  
Blogger João Baptista Pico said...

A vereadora da Acção Social e Cultura sentiu-se "perplexa" ante as afirmações do cónego.
Julgava que as necessidades do Banco Alimentar de Abrantes apenas se resumiam a serviços de transportes e foi isso que encaminhou e por aí se ficou...
Uma vereadora que já vai no 7º ano de funções a tempo inteiro e sempre nestes dois pelouros - acção Social e Cultura - será que pode continuar em funções depois desta prova de incompetência e inaptidão para o cargo?

Então se há um Banco Alimentar no concelho, o que é que era preciso dizer mais a uma vereadora com a responsabilidade na Acção Social, que ela não fosse a primeira a querer inteirar-se das situações e dos utentes e necessitados abrangidos?!
O queria que lhe fizessem um desenho?!
Reconheceu as bolsas de fome e as crianças sem a primeira refeição.
mas como só se fala em computadores acreditou na ementa virtual...

Quanto sofrimento não poderia ter sido evitado e minorado se esta vereadora fosse mesmo aplicada na Acção Social e não fosse manifestamente incompetente?!
A sua incompetência gerou sofrimento a crianças...
E está a gerar e vai continuar a gera!
Vergonhoso que um país que defende os Direitos Humanos possa ter criaturas desta natureza e mais não sei quantos "doutores" nesse Serviço de Acção Social...

quinta-feira, maio 15, 2008 8:05:00 da tarde  
Blogger João Baptista Pico said...

E tudo seria tão diferente se o Drive-in do McDonald`s não esbanjasse 2500 m2 vendidos pela Igreja, quando a CMA nada preparara para aquele espaço com maior volumetria...
Houvesse outra volumetria construtriva - pois é a malta não gosta de construção, aprecia mais os hamburguers?!
No entanto 500 a 600 mil contos dos antigos foram ao ar...
Talvez um dia a McDonald`s os saiba fazer render em dólares!
É só esperar pelo "trespasse"...
Burros?!
Nada disso, jumentos são uns animais que não têm culpa...

sábado, maio 17, 2008 2:13:00 da tarde  

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