quarta-feira, março 16, 2011

0067/2011 - pai, pele, rio, estrada e água verde sol que ameaça sorrir

às vezes o título diz, outras, apenas, sugere.
este título diz.
é uma imagem obtida da margem sul a olhar a margem norte.
a ver a praia no ribatejo ou o paio (sorte) na pele.
uma imagem da margem esquerda do tejo, na berma da nacional cento e dezoito.
a primeira palavra, pai, meu pai.
um homem da margem norte, filho dos caprichos da linha férrea.
uma personalidade moldada nas margens do rio tejo, na vizinhança do ferro como caminho e na arte de trabalhar a madeira, na juventude.
água, terra, ferro e fogo.
penso-me, pensando, meus pais e meus avós.
penso na maneira como todos os quatro elementos continuam presentes na minha (na nossa) vida.
minha avó paterna era analfabeta mas tinha uma bandeira que orientava comboios e destinos.
meu avô materno morreu cedo, muito cedo, hoje chamar-lhe-iam «um artista autodidacta que da madeira fazia poesia» prefiro pensá-lo como um marceneiro, pai de família que se encantou com trinta e poucos anos.
minha avó materna era uma menina, mulher, um corpo envolto em negras vestes, um sorriso puro, como se as rugas fossem, apenas, o reflexo da terra dura que trabalhava; a terra é enrugada... o rosto de quem  a trabalha, também (à atenção das mimis, das kikis e das lilis; as rugas são os caminhos que a vida nos vai marcando no rosto, na alma).
meu avô paterno era uma bondade feita revolta, um misto de tolerância e inconformismo, uma mistura explosiva de regras e de excepções; um homem sério, um homem a sério.
gosto de pensar nos meus pais como tudo aquilo que disse antes, todas as qualidades e defeitos caldeados com varinha mágica.
meu pai do norte e da madeira na serração do vieira, do cruz, dos vieira da cruz.
minha mãe do sul, da lezíria, da terra, duma ancestralidade feita viagem e permanência.
pai, mãe, avós ou, apenas, reflexões irreflectidas num barco estacionado na borda da minha estrada.
não é o fim, nem o princípio do fim, é o fim do princípio