quinta-feira, abril 13, 2006

280 - diz que disse II

Ponto prévio: Obviamente, condeno qualquer tipo de abuso sobre as crianças. Não só condeno como penso que devemos denunciar os abusadores... no dia 11 de Novembro, «postei», precisamente sobre isso.

Quanto ao texto do acordão destacarei alguns pontos:

1. «A arguida por uma ou duas vezes deu palmadas no rabo à CC quando esta não queria ir para a escola e uma vez deu uma bofetada ao FF por este lhe ter atirado com uma faca»

2. «A arguida não tinha preparação profissional para desempenhar as funções de responsável do Lar, nomeadamente para lidar com deficientes mentais»

3. «A arguida residia no Lar, passando aí todo o dia e aí pernoitando, trabalhando das 7h às 23h e às vezes durante a noite quando era necessário ajudar a colega que fazia o horário nocturno, nomeadamente por algum utente estar doente»

4. «A arguida tinha a seu cargo cerca de 15 utentes»

5. «Em Janeiro de 2000 a arguida entrou de baixa médica por padecer de depressão grave, tendo a sua médica assistente emitido uma declaração da qual consta:" ... JJ de 55 anos sofre de depressão grave que tem vindo a agravar-se de há cerca de três anos até agora, provavelmente pelas condições de trabalho e exigência do sítio onde trabalhava e vivia..."»

Quanto ao texto da polémica e que fez correr tanta tinta... foi este:

«Qual é o bom pai de família que, por uma ou duas vezes, não dá palmadas no rabo dum filho que se recusa ir para a escola, que não dá uma bofetada a um filho que lhe atira com uma faca ou que não manda um filho de castigo para o quarto quando ele não quer comer?Quanto às duas primeiras, pode-se mesmo dizer que a abstenção do educador constituiria, ela sim, um negligenciar educativo. Muitos menores recusam alguma vez a escola e esta tem - pela sua primacial importância - que ser imposta com alguma veemência. Claro que, se se tratar de fobia escolar reiterada, será aconselhável indagar os motivos e até o aconselhamento por profissionais. Mas, perante uma ou duas recusas, umas palmadas (sempre moderadas) no rabo fazem parte da educação.Do mesmo modo, o arremessar duma faca para mais a quem o educa, justifica, numa educação sã, o realçar perante o menor do mal que foi feito e das suas possíveis consequências. Uma bofetada a quente não se pode considerar excessiva.Quanto à imposição de ida para o quarto por o EE não querer comer a salada, pode-se considerar alguma discutibilidade. As crianças geralmente não gostam de salada e não havia aqui que marcar perante elas a diferença. Ainda assim, entendemos que a reacção da arguida também não foi duma severidade inaceitável. No fundo, tratou-se dum vulgar caso de relacionamento entre criança e educador, duma situação que acontece, com vulgaridade, na melhor das famílias»

[os sublinhados são meus]

Algumas reflexões pessoais:

a) Não tenho filhos (mas sei o que é o sorriso duma criança), penso que a melhor maneira de educar as crianças é incutindo-lhes responsabilidade.

b) Antes da polémica... tinha efectuado este comentário a propósito dos esteiros.

c) É fácil fazer juízos de valor sobre situações mais ou menos distantes, difícil é enfrentarmos o vizinho do lado, ou de cima ou da mesma rua que bate na mulher e nos filhos e permanece impune.

Mesmo correndo o risco de tornar este «post» demasiado longo vou reproduzir algumas palavras que troquei, recentemente, com uma amiga:

«Há diferenças, sim. Não no que fazem nem no que sentem. Não na relação de amizade que tenho com muitos. De tal forma que incorporei a equipa e fui adoptada.
Para chegar lá o caminho é duro. Tens que aprender formas de comunicar (gestual, braille, leitura labial, escrita na mão...). Tens que aprender procedimentos e comportamentos. Tens que aprender a esperar. Sobretudo a deixar-te conduzir...

Conheço, convivo, trabalho regularmente com pessoas com deficiências físicas profundas. Já dei aulas a uma rapariga em decúbito ventral permanente, traqueotomizada, que só mexia os olhos. Estive há pouco a conversar no msn com um amigo que é surdo e cego. Já fui conduzida no carro de um outro amigo sem braços. Espero sempre ter chegado ao limite da diferença física e não me quero espantar/admirar com mais ninguém. E na semana seguinte conheço algum outro caso de deficiência cumulativa, grave, estigmatizante.»

«A minha experiência com pessoas deficientes é mínima (um fim-de-semana com doentes mentais num estado profundo de solidão, muitas delas estavam na instituição desde sempre, família, era, para muitas, uma palavra sem significado) curiosamente, esse fim-de-semana, dá-me forças para enfrentar as situações palermas do dia-a-dia, o trânsito e tal, as pessoas que julgam ter um problema porque o condutor da frente deixou o carro ir "a baixo"...
A tua experiência com pessoas diferentes é, sem dúvida, muito gratificante e enriquece-te como pessoa, tem, contudo, um inconveniente é absorvente... é-te, difícil (presumo, eu) despir a "farda profissional" e passares a ser a mãe e colega.
Enfim, é o preço que temos que pagar... para além de profissionais somos pessoas e a vida só faz sentido quando implica uma entrega total».

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Um caso fatal

«Podereis ter ficado
com a estranha sensação
que eu nada disse e porém

Também muitos doutores
falam bem fazem flores
mas não dizem nada nada
ao discursar: Meus senhores...»

Sérgio Godinho




3 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Óptimo texto, Pedro, e concordo com tudo o que disseste.

Também a mim me choca profundamente ver coisas daquelas escritas num acórdão do Supremo Tribunal de Justiça. Parece-me que se está a abrir um perigoso precedente; parece que nem os juízes se deram conta das repercussões que as suas palavras poderão ter... não tiveram sensibilidade nem bom senso.
Parece que não podemos mesmo confiar na razoabilidade de quem decide...

quinta-feira, abril 13, 2006 8:34:00 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Pedro, li o acórdão. E é obvio que a noticia foi apresentada com alguma falta de rigor jornalístico e até mesmo, diria, com alguma má intencionalidade: gerar polémica.
Todavia mantenho as minhas considerações. Em minha opinião:
1º Jamais um acórdão, do STJ, pode descurar-se nas apreciações que faz acerca do litígio que lhe é colocado.
2º Tratam-se de Juízes conselheiros, com curriculum incomparável, vastíssima experiência e sabem que as suas decisões representam o último patamar da hierarquia judicial, e como tal são “objecto de referência”, são invocadas e citadas para valoração de situações análogas, fazem jurisprudência, são fonte de direito, etc, etc. etc. Logo, o minimo que posso exigir: sejam exímios e meticulosos nas decisões que proferem.
3º Estamos a falar de crianças portadoras de deficiência física e mental!!!! E portanto INDEFESAS. Jamais aceitarei a violência física, seja de que espécie for, em crianças, muito menos se por qualquer motivo patológico são ainda mais debilitadas.
4º Aquela senhora e respectiva instituição têm como função: cuidar e guardar crianças portadoras de deficiência. Para isso recebem apoios do estado. Logo, são duplamente responsáveis quando se declaram IPSS, com essa finalidade, chamam a si os utentes, pedem que ses lhes reconheça esse objectivo e depois é o que se vê ?????? É inadmissivel. Se fosse progenitora ou representante daquelas crianças, processava igualmente a instituição.
5º Cada vez mais as pessoas têm que se imbuir da consciência de que são responsáveis e devem fazer de tudo para denunciar junto dos superiores hierárquicos o que corre menos bem.
As habilitações literárias, a carga horária, o trabalho, etc, são factores a ter em conta na valoração global, mas não podem ser desculpabilizantes dos comportamentos, a meu ver censuráveis, daquela senhora.

Por último, talvez tb haja responasabilidade do MP na forma como deduziu a acusação(embora não a conheça, mas depreende-se do acordão). Acusou por maus tratos, quando secalhar deveria ter acusado por ofensas simples e já não se colocaraim aquelas questões juridicas, muito tecnicas, "maus tratos" e "tratamento cruel". Bem, mas essa é outra responsabilidade.

quinta-feira, abril 13, 2006 11:22:00 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

ps: Neste caso não posso aceitar que sejam apenas flores.

quinta-feira, abril 13, 2006 11:31:00 da manhã  

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