domingo, junho 18, 2006

383 - insustentável

Li este livro publicado, originalmente, em 1983, numa edição da Dom Quixote, tradução de Joana Varela.
Esta frase de Milan Kundera : «compreendera nessa altura que não fora feito para viver com uma mulher, fosse ela qual fosse, só poderia ser verdadeiramente ele próprio se vivesse sozinho (...) dizia sempre às amigas que era incapaz de adormecer ao lado de outra pessoa (...) levava-as sempre a casa» é todo um projecto de vida.
Recordei-me de Kundera não a propósito da frase, mas, disto:
«No mundo do eterno retorno, todos os gestos têm o peso de uma insustentável responsabilidade. Era o que fazia Nietzche dizer que a ideia do eterno retorno é o fardo mais pesado.
(...)
O fardo mais pesado esmaga-nos, verga-nos, comprime-nos contra o solo (...) a mulher sempre desejou receber o fardo do corpo masculino (...) o fardo mais pesado é (...) a imagem do momento mais intenso de realização de uma vida. Quanto mais pesado for o fardo, mais próxima da terra se encontra a nossa vida e mais real e verdadeira é.
Em contrapartida, a ausência total de fardo faz com que o ser humano se torne mais leve do que o ar (...) torna-o semi-real e os seus movimentos tão livres quanto insignificantes.
O que escolher, então? O peso ou a leveza?
Foi a questão com que se debateu Parménides, no século VI antes de Cristo. Para ele o universo estava dividido em pares de contrários: luz-sombra; espesso-fino; quente-frio; ser-não ser. Considerava que um dos pólos da contradição era positivo (...) e o outro negativo.
(...) o que é positivo: o peso ou a leveza?»
O peso e a leveza, o ser e não ser, o dormir e o estar acordado...
Tenho pensado nisso, pensado nisto: «(...) já lhe disse muita coisa, irrita-me que cite os comentadores para os comentar. Irrita-me. Vá logo directo ao assunto.»
Dantes procurava ser consensual, agora não, prefiro que as pessoas se irritem, tudo é preferível à apatia.
Quanto a ir directo ao assunto, o encanto do acto está naquilo que o antecede... se sou caminhante, obviamente, retiro prazer da viagem, não tanto da chegada.

8 Comments:

Blogger Maria Romeiras said...

Milan Kundera é um pensador cru e directo, autor de alguns dos livros mais belos e mais controversos que já li. Sim, o ser completo é a individualidade e a independência de se estar só - ou acompanhado quando o vento trouxer alguém para perto. Os homens e as mulheres não são pássaros de gaiola. O peso consiste na impossibilidade de assumir esta postura como honesta numa sociedade de aparências e, interiormente, de sacrificar algum comodismo emocional diário. Gosto também bastante da Ignorância, em que as emoções são abordadas, desta vez, à luz da memória, a sua célebre "deformação masoquista da memória". Cf. cap. 20, pp. 63 a 65, edições ASA, colecção Pequenos Prazeres. Vale a pena recordar, mesmo que o autor problematize a nossa atitude...

domingo, junho 18, 2006 9:34:00 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Amigo Pedro, temos mais um ponto em comum. Eu, também gosto de ser irritada. Quando tudo vale a pena, para atingirmos essa leveza de que fala o teu post.
Isso, às vezes, só se com-preende depois.

domingo, junho 18, 2006 11:47:00 da manhã  
Blogger António Almeida said...

se para Kundera o homem é a criatura que aspira ao equilíbrio, não se deve falar de peso ou leveza... algures no meio estará a melhor hipótese.
o prazer não está só na caminhada, a chegada também é prazer, pois ela é sinónimo de uma próxima caminhada, já que o caminhante irá recomeçar a descoberta de um novo caminho!

domingo, junho 18, 2006 7:51:00 da tarde  
Blogger Paula NoGuerra said...

Esse livro deve ser bom mesmo.
A vida é feita de opostos e é isso que a torna mais espetacular. O que é bom e mau? É tudo relativo, dependendo do ponto de vista de cada um. Por isso é que aceito, concordo e até vou mais longe, EU ACREDITO que não existe nem bem nem mal. Apenas É!!!

Boa escolha!!!

terça-feira, junho 20, 2006 10:55:00 da tarde  
Blogger Alien David Sousa said...

Se falar de Kundera e na "Instutentável leveza do ser", tenho de relembrar que o personagem masculino, no final percebe que não consegue viver sem aquela mulher.

Saltandooooo...

"Quanto a ir directo ao assunto, o encanto do acto está naquilo que o antecede... se sou caminhante, obviamente, retiro prazer da viagem, não tanto da chegada"

Gostei bastante deste teu comentário final.
bjs

sexta-feira, junho 23, 2006 11:10:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

ainda que esteja cansado das suas caminhadas, bem podia corrigir o s em Nietzsche.
por hoje, não chateio mais.

domingo, março 18, 2007 10:55:00 da tarde  
Blogger pedro oliveira said...

corrigiria se o erro fosse meu.

segunda-feira, março 19, 2007 2:26:00 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

e quem é o Kundera para que não o possas corrigir ?
parenteses recto....Nietz[s]che
lol

segunda-feira, março 19, 2007 11:32:00 da manhã  

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