620 - morte (e vida)

Já falei da morte e da relação muito especial que tenho com ela.
Nesta campanha, desnecessária, para um referendo não vinculativo, falou-se de muita palermice, mas ninguém disse uma coisa óbvia:
- todos os pais são assassinos ... a vida é uma doença mortal sexualmente transmitida.
Hoje enquanto conduzia, pensava nas gerações de pessoas que já se «encantaram».
Lembro-me do ti' António Lopes, do ti' Jaquim das Barbas, do ti' Jacinto (meu avô), da ti' Deolinda, da ti' Palmira, da ti' Clarisse, pessoas que conheceram a criança que fui (todos eles teriam, hoje, mais de 100 anos).
Ontem morreu o sr. António Gaspar, tinha uma fazenda (um pedaço de terra amanhado, cultivado) ao lado duma das fazendas dos meus pais, via-o ali sempre (o trabalho do campo nunca acaba) lembro-me dele com a idade que tenho hoje (ou um pouco mais velho).
Depois de se ter «encantado» a geração «dos ti'» começa a encantar-se a geração «dos srs.» a próxima será a «dos tu» (pessoas que têm até mais vinte anos que eu, mas que jogámos à bola juntos e «tuteamo-nos») e depois a minha, a geração «dos gajos» ... o mais engraçado é que a geração a seguir à minha, a geração «dos putos» já começam, também, a ter filhos (o que é mau).
É mau porquê?
Porque as novas gerações vão empurrando os outras para cima, assim:
- os putos passam a gajos
- os gajos passam a senhores
- os senhores passam a ti'
- os ti' passam (-se)
A morte nunca é um motivo para rirmos, mas é um óptimo motivo para pensarmos, para pensarmos a vida.
4 Comments:
Não posso deixar de comentar este post. Não pretendo acrescentar nada, porque já disseste quanto baste (se é que basta…).
A morte é um tema recorrente na minha escrita «blogueira», e no meu pensamento em geral, porque a morte, coloca, como dizes, o sentido da vida; não pode deixar de ser pensada. Há uma relação, na minha modesta perspectiva, intrínseca, entre a morte, a vida e esse encantamento entre aspas (como se encontra entre aspas, sou livre de o interpretar [mesmo sem aspas, sê-lo-ia também] como quiser.
Pensar a morte é colocar a vida (quem sou? [a identidade (eu e o outro)]; donde venho? (eu, o outro [eu e a circunstância (eu e o outro) que é a identidade] para onde vou? (eu, o outro e a circunstância e o que de mim fica nos outros a quem me dei [a identidade]) como objecto do pensamento.
Hoje, há um vazio no pensamento sobre a morte. Esse vazio não será alheio à chamada crise de identidade…e voltamos ao mesmo (engraçado é a etimologia da palavra “crise”. «Krises» significa decisão…e voltamos ao mesmo…).
Talvez a morte não se pense, porque neste mundo do efémero, do consumo imediato (do aqui e agora; já) tudo fluí numa leveza que mete dó…e voltamos ao mesmo. Por isso, para alguns, é feio falar sobre a morte ou ironizar a morte…abençoados os pobres de espírito.
Gostei de (re) ler estes textos sobre o sonho a vida e o encantamento, … porquanto, o poeta é um fingidor e a eternidade (diz o poeta também) é-o enquanto dura.
Senhor Pedro, esta gaja, agora, vai levar os putos a ver-o-mar. A seu tempo, quiçá, pegarei na cadeira…
Todo mundo quer chegar a velho,mas ninguêm quer sê-lo.A vida dos mortes perdura na memória dos vivos.
A vida dos mortos perdura nos vivos se, esses, que morreram, amaram e foram amados.Ou então, se odiaram e foram odiados.....recordar é uma «semi-vida», não é uma vida inteira (plena), ainda que o Victor Espadinha nos tenha querido fazer acreditar no inverso...
Gostei de ler, de sentir o que escreveste. Qualquer comentário que eu gostasse de fazer estragaria a lembrança desse sentir e, por isso, não direi mais nada.
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